terça-feira, 1 de setembro de 2015

O pântano

DESSECAÇÃO DO PÂNTANO DO JUNCAL, FIXAÇÃO DAS DUNAS E ARBORIZAÇÃO DOS TERRENOS DA TRAFARIA E COSTA DE CAPARICA

Em virtude dos esforços do sr. Jayme da Costa Pinto esclarecido e zeloso representante às cortes pelo círculo de Almada trata-se de realizar, como já dissemos, este importante melhoramento de há muito reclamado.

De um relatório do senhor Henrique de Mendia, com grande senso scientifico e profundo conhecimento do assumpto, vamos extrahir alguns dados interessantes relativos a esses trabalhos.


Os terrenos a que nos referimos, occupam uma superficie de 1,800 hectares e constituem as dunas ou areias, moventes de Caparica, Valle de Trafaria e pantano do Juncal, o beneficio projectado é orçado em pouco mais de 58 contos ds réis. 

As dunas da costa de Caparica são constituídas par um trato de areias moveis limitadas pela Torre do Bugio, onde tem a sua menor largura, margem esquerda o Tejo, até próximo da povoaço da Trafaria, recurvando-se com a linha da costa banhada pelo oceano, estende-se para sul até ás proximidades da lagoa de Albufeira, tendo por limite para o interior das terras a base da escarpa e uns terrenos mal cultivados denominados a Charneca.

Costa da Caparica, ponte de madeira sobre a vala, 1934.
Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico

Não nos podemos eximir á satisfação do desejo de transcrever aqui as palavras eloquentes com que o sr. Henrique de Mendia descreve as condições de existencia na povoação da Costa:

"Não se descreve, diz o illustrado agrônomo, porque difficilmente se imagina o árido e desolador aspecto d'estes incultos areaes formados por uma infinidade de dunas de mediana altura em extremo moveis nos logares mais desguarnecidos da pobre é dispersa vegetação rasteira, que n'outros pontos existe com proveito e castigados por um sol ardente que se reffecte e espelha de continuo na silica brilhante.

Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa (detalhe), Francisco M. Pereira da Silva, 1857.
(sondada e rectificada a margem sul em 1879)

É esta a paisagem que o viajante descobre á entrada do nosso primeiro porto e da nossa primeira cidade, e é n'este meio que existe uma povoação de muitas almas, acossada pelas areias que procuram de continuo atacar-lhe as trincheiras rudemente defendidas, sem uma estrada regular, que a ponha em eommunicação com os logares populosos, tendo no mar o seu quasi exclusivo sustento, procurado á custa de heroicos esforços tantas vezes impotentes e nas exhalações deletérias dos pantanos do Juncal o germen constante das febres paludosas de que annualmente enfermam familias inteiras.

Costa da Caparica, Praia do Sol, cliché João Martins, 1934.
Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico

Bem triste povoado e desgraçados habitantes que teem por unico abrigo a choupaqa de colmo, mais pobre do que  a cubata de negro, sem que ao menos encontrem na organisação d'este as forças indispensaveis para reagir e lutar contra os miasmas exhalados pelas águas estagnadas e putridas que os prostam ás vezes tão repentinamente como se um accidente os accommettera de imprevisto."

O sr. Henrique de Mendia considera a arborisação das dunas cuja supercie se avalia em cerca de 1,400 hectares como o unico meio de melhorar as más condições d'aquelle trato de terreno.

Trafaria — Valla e estrada da Costa.
Delcampe

Como a verba mais importante n'este revestimento dé terrenos é o transporte do matto para cobrir as sementeiras, lembrou-se o illustre agronomo de substituir o transporte do matto dos Pinhaes do Conde dos Arcos e Caparica cuja verba não seria inferior a 2$400 rs. por hectare de sementeira pelo transporte fluvial da Matta da Machada e de Valle de Zebro á Trafaria, ficando assim o custo médio da carrada por 630 rs. em vez de 2$400 réis e portanto o hectare por 50$400 réis, verba á qual adicionando-se outras despesas, guarda do terreno, etc se eleva apenas a 66$000 réis.

A Praia do Sol, Estrada do Parque Florestal, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 114, década de 1930.
Imagem: Delcampe

Calculando o terreno a cobrir êm 900 hectares em consequencia de se deixar 500 hectares para logradouro dá povoaçao, facha de resguardo, zona invadida pelo oceano, etc. a importancia total do revestimento das dunas, sem duvida um dos mais urgentes e uteis melhoramentos do nosso porto, fica em 52:800$000. Ao sr. Henrique de Mendia cabem bem merecidos encomios pelo modo intelligente e economico como indica a realisação d'esse melhoramento.

Costa da Caparica, Alameda de Santo António, ed. Passaporte, 25, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Oliveira

O valle areiado da Trafaria passa próximo de Murfacem, toca na costa do Cão e estende-se além de Pera, mede 2 kilometros de extensão sobre 300 metros de largura media, o que dá 80 hectares de superficie. As obras indicadas são, além da sementeira, uma boa e bem construida sebe de defesa na linha de incidência dos ventos reinantes o alguns abrigos internos de mais ligeira construcção entrecrusadas de espaço a espaço, orçadas importancia de réis 3:600$000.

Uma superfície de 30 a 40 hectares, que rodeia a povoação da costa e fica encravada entre as dunas da costa de Caparica e a Charneca é constituida por terrenos alagados, conhecidos pelo nome de Juncal, denomipação proveniente da abundância de juncos, que ali crescem. 

Costa de Caparica, passagem sobre a vala à entrada da vila, década de 1940 (?).
Imagem: Delcampe - Oliveira

Esse pântano alimenta-se das águas pluviaes e do oceano; que por vezes irrompe atravez das areias, depositando ali as suas águas, que ali fjcam represadas por falta de escoantes, em consequencia do nivel do terreno ser inferior ao do oceano. Esta mistura e estagnação produzem miasmas deleterios, ainda mesmo no inverno.

Costa de Caparica, passagem sobre a vala à entrada da vila, década de 1960 (?).
Imagem: Costa da Caparica, anos 60

Para combater estas condições são indicadas as vallas profundas e bem orientadas e uma plantação bem dirigida do encalyptus globolus, arvore de grande poder esgotante e de efficasissimas propriedades hygienicas, estas arvores serão no numero de 39,990 o as vallas occuparão 2,000 metros correnles. 

Costa da Caparica, acesso à Via-Rápida,década de 1960.
Imagem: Costa da Caparica, anos 60

A despeza total para a dessecação e plantação do pântano do Juncal, incluindo o ordenado do guarda no 1.° anno, está calculada em 2:586$900 réis.


(1) Artigo original de Gervásio Lobato publicado no Diário de Notícias e republicado em A Realeza, de Duarte Joaquim Vieira Júnior, edição 1 de de 2 de setembro de 1882, e no Diário de Belém, edição de 3 de outubro de 1882.

Artigos relacionados:
O Juncal
A costa no século XIX
Mata do Estado e Quinta de Santo António


Leitura relacionada:
Material vegetal da Margem Sul do Tejo: da Costa de Caparica até ao Seixal

2 comentários:

Rui Manuel Mesquita Mendes disse...

Atenção e cuidado com a data, apesar deste Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa ter sido desenhado e gravado em 1857, esta já é a versão rectificada em 1879 por Filipe Folque, razão porque já ali se vê o Colégio a poente da Igreja.

Rui Granadeiro disse...

Nem mais, "sondada e rectificada a margem sul em 1879".