sexta-feira, 29 de maio de 2015

Praça da Renovação

Além do mercado Municipal na sua forma mais antiga, observa-se parte da Estrada Nova, denominada de rua Bernardo Francisco da Costa. A Estrada Nova era, então, o principal trajecto pedestre que as pessoas faziam no regresso à vila, provenientes de Cacilhas. 

Almada, vista poente do novo mercado construído em terrenos dexanexados à então zona rural, 1933.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Este caminho e a calçada da Pedreira (actual rua Elias Garcia) eram até meados dos anos 30, praticamente isentos de propriedades urbanas, sendo apenas circundados por imóveis rústicos.

Almada, vista sul do mercado, da Estrada Nova, a actual rua Bernardo Francisco da Costa e, ao fundo, próximo do "Prédio Queimado", o palácio do Marquês de Fronteira, que o havia herdado da Marquesa da Alorna, sua avó, década de 1930 ou 1940.
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna... Freguesia de Almada

Além da praça, a estampa [abaixo] ilustra, à direita, o edifí­cio da Pensão Barros, o Tribunal em construção e diversas propriedades que nos anos 40, pertenciam ao Casal dos Ser­ras (onde hoje, se situam a rua Fernão Lopes, rua de Oli­vença e parte da avenida D. Afonso Henriques [...] (1)

Almada, rotunda da Praça da Renovação e acessos em construção, c. 1950.
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna... Freguesia de Almada

De facto com o Plano de Urbanização desenvolvido por De Gröer [1946], Almada viu o seu crescimento seguir de forma relativamente mais organizada e segundo um planeamento definido.

Almada, Pensão Barros, rua de Olivença, c. 1950.
Imagem: Maria do Céu Ramos

Contudo, foi na década de 50, com o arquitecto Rafael Botelho em conjunto com a Câmara Municipal e a convite do arquitecto Faria da Costa que surgiu o Gabinete de Urbanização a Câmara Municipal de Almada. 

Almada, Avenida D Afonso Henriques, ed. J. Lemos, 18, década de 1950.
Imagem: Nuno Machado

Neste seguimento, Almada passou a seguir um desenvolvimento de vários estudos urbanísticos, nomeadamente Planos Parciais de urbanização. (2)

Almada, avenida D. Nuno Álvares Pereira, fotografia Julio Diniz, década de 1950.
Imagem: Museu da Cidade de Almada

Foi um acontecimento de relevo para a vida de Almada a inauguração do
 

Café Central

ALMADA que, dia após dia e, em ritmo acelerado, se transfigura e se embeleza, acaba de ser dotada com mais um melhoramento que em muito a valorizará: o novo "Café Central", pertença do conceituado construtor civil sr. João Morgado e situado numa das principais artérias do burgo, Praça da Renovação, "é mais uma pedra que acaba de ser colocada no já grande e imenso plano de melhoramentos locais", levados a cabo pela iniciativa particular, para uma Almada moderna e cosmopolita [...]


in Voz do Tejo, edição de 9 de junho de 1956, citado em almaDalmada

Em Almada havia dois Cafés, lado a lado, separados apenas pela entrada do prédio de três andares, (onde se instalaram nos baixos), e por uma tabacaria que dava para aquela praça.

Almada, Praça da Renovação, ed. J. Lemos, 29, década de 1950.
Imagem: Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna... Freguesia de Almada

Um, o maior, era o Central, o outro era o Dragão Vermelho, o tal que eu mais frequentava.

Os referidos Cafés tinham no exterior e á sua frente esplanadas contíguas, voltadas para a Praça da Renovação, onde, especialmente à noite, a tomar cafés e, aos domingos de manhã, a beber um Martini, caía toda a gente semi-chique, tigela e meia-tigela. Chique não havia, ou, se havia, não se notava nem nada dava a entender.

Almada, Praça da Renovação, ed. J. Lemos, s/n, década de 1950.
Imagem: almaDalmada

O Central, embora frequentado pela maioria da populaça, por ser mais amplo e ter alguns refúgios recatados, era o preferido dos chamados intelectuais. Ali escrevia desalmadamente Romeu Correia, despontava Fernando Pernes, que havia um dia ir para a Casa de Serralves, no Porto, e advogados, como o Herculano Pires da esquerda moderada e o Luís Álvaro, uma ave nocturna muito minha amiga, da direita também moderada.

Os dois moderados de sinal contrário, por todas as razões e mais esta, mantinham-se em guerra intestina e odiavam-se figadalmente.

Rotary Club de Almada

Luís Álvaro era dos Rotários, o que na altura dava bastante penacho, e sempre pôs uma bola preta em Herculano para que este dentro deles não conseguisse pôr um só dedo dum qualquer pé. Este e outros rejeitados, cheios de despeito recalcado, haviam de vir a criar os Lions de Almada, não por amor aos ceguinhos, mas como adequada retaliação.

Lions Clube Almada Tejo

O Dr. Luís Álvaro, cerca de vinte anos mais velho que eu, era um jovem companheirão, muito observador e crítico mordaz, com quem me fartei de divertir. Ficávamo-nos umas vezes por Almada a tagarelar e deslocavam-nos algumas até ao Muxito mordiscar um pouco de ambiente nocturno a ouvir, ao vivo, um pouco de música dançável, às vezes com uns fadinhos pelo meio, muito bem cantados pela Saudade dos Santos.


Nas amenas noites de Verão íamos tomar um cafezinho numa qualquer esplanada da já insuportável Caparica, onde a Dona Ausenda, uma matrona livre de compromissos, não sei se solteirona, viuvona ou outra ona qualquer, a ele se atirava descaradamente e ele dela, pelo menos em público, cortesmente fugia a sete, ou mais, pés. Algo me diz que ela era uma das suas consulentes "habituées", daquelas que o iam ver frequentemente ao consultório, como quem ritualmente se vai benzer à bruxa.

O advogado Luís Álvaro vivia e tinha o seu escritório no coração de Almada, bem junto ao jardim e ao novo Tribunal.

Fotografia de António Homem Christo,
in Almada, a cidade satélite, Revista Eva, Dezembro de 1960.
Imagem: Dias que Voam

Conhecia meio mundo, muito mais por dentro do que por fora, e ia-me contando, sem nunca quebrar o sagrado sigilo profissional, engraçadíssimas histórias, muitas delas muito podres, de toda aquela gente de casca muito fina e interior muito grosso de quem ele, de ginjeira, conhecia muito melhor o tenro e escondido miolo do que a dura e bem visível casca. Ríamo-nos os dois, com muito gosto, à custa das graças envenenadas de um e das tretas não menos venenosas do outro, e vice-versa.

Um dos actuais encantos de Almada está precisamente nos imprevistos aspectos que a cidade satélite nos desvenda: eis o velho e romântico petroleiro de carro puxado a mula, contrastando com a moderna linha dos edifícios.
Fotografia de António Homem Christo, in Almada, a cidade satélite, Revista Eva, Dezembro de 1960.
Imagem: Dias que Voam

Ao Dragão ia gente como eu, ou até pior; iam, por exemplo, os irmãos do trio Odemira e vários fadistas e cançonetistas baratos e muito mal cotados; também iam algumas senhoras acompanhadas dos seus maridos a quem, com todo o empenho, notoriamente punham os palitos, para não estar para aqui, em frente de toda a gente, a dizer cornos.

Praça da Renovação, década de 1960.
Imagem: Delcampe

Na Praça da Renovação, hoje abrilescamente designada por Praça das Forças Armadas, havia uma papelaria, uma outra tabacaria, onde eu comprava o “Janeiro”, uma farmácia, um oculista, a Calhandra, (que era um snack-bar), o Stand Mirco, os Correios e, que me lembre,

Praça da Renovação, Almada, Fotoselo ROTEP
(Roteiro Turístico e Económico de Portugal), 173.

pouco ou nada mais. (1)


(1) Flores, Alexandre M., Almada antiga e moderna, roteiro iconográfico, Freguesia de Almada, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1985, 189 págs.
(2) Almeida, Gonçalo, Miguel Pires de, Densidade e Forma Urbana..., Densificação como valor de projecto e estratégia de desenvolvimento urbano, Lisboa, Faculdade de Arquitectura de Lisboa, 2011
(3) Isolino de Almeida Braga

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Clube Desportivo da Cova da Piedade

Na Cova da Piedade, tinham sede no jardim central , em torno do qual se erguem dois edifícios monumentais — o palácio neoclássico da família Gomes e um Chalet romântico onde viveu o gerente da fábrica de moagens — , a Cooperativa Piedense, a Sociedade de Socorros Mútuos Piedense, a Sociedade Filarmónica União Artística Piedense (SFUAP), o Clube Recreativo Piedense e o Sporting Clube Piedense. (1)

Vista Geral — Cova da Piedade ed. desc., década de 1900
Imagem: Delcampe

O Sporting Clube Piedense, da Cova da Piedade, acaba de se filiar na Associação de Foot-ball de Setúbal, pelo que se encontra regular, podendo efectuar jogos com todos os filiações de qualquer associação do paíz [jornal "O Sado", edição de 17 de março de 1935].

in Futebol Saudade

A fundação do Clube Desportivo da Cova da Piedade, em 28 de Janeiro de 1947, foi resultante da fusão entre o União Piedense Futebol Clube (também conhecido pelo epíteto de "Espanhóis", devido às cores do seu equipamento), fundado em 16/04/1914 e o Sporting Clube Piedense [filial nº 67 do Sporting Clube de Portugal].


União Piedense Futebol Clube, "Espanhóis".
Imagem: Dina Teresa

Para a formação do novo Clube foi constituída uma comissão organizadora, composta por Domingos Cabrita Júnior (Presidente), Manuel Palmeira Barbosa, Pedro Lopes Rodrigues, Augusto José Batista, Filipe Andrade Moreira, José Ribeiro de Sousa, Salvador Marques de Assunção, Carlos de Matos Flores, Carlos Peres e Antónia Moreira da Costa.

Clube Desportivo da Cova da Piedade.
Imagem: Voz Desportiva

Durante estes anos da vida da colectividade, houve dirigentes que, pela sua acção, se salientaram, como por exemplo, o Dr. José Malheiro (Director do Boletim Mensal), José Cardoso Rosa e o Dr. Castro Rodrigues, entre outros. 

Os factos mais relevantes da História do Clube, são os seguintes:

No campo cultural, ter mantido, desde sempre, escolas pré-primárias, onde milhares de crianças receberam as primeiras luzes da instrução.

Sorteio Páscoa a favor da ecola pré-primária, 1953.
Imagem: João Gabriel Isidoro

[...] os dirigentes do clube, muitos deles oriundos da classe operária, aperceberam-se da necessidade em receber crianças com idades compreendidas entre os três e os seis anos de idade, não só para ajudar as mães trabalhadoras, como ministrar os primeiros ensinamentos, rumo ao ensino oficial.

Inauguração da escola do Clube Desportivo Cova da Piedade.
Imagem: João Gabriel Isidoro

Nasceu, assim, na Estrada das Barrocas, a primeira escola pré-primária do país que manteve actividade regular, apesar das perseguições políticas aos seus dirigentes e professores.

Alunos da escola do Clube Desportivo Cova da Piedade, 1961.
Imagem: Ana Maria Almeida

Em Novembro de 1963, abriram as aulas nocturnas destinadas a preparar adultos que pretendessem completar o actual 9º ano de escolaridade ou, simplesmente, melhorar a sua cultura geral.  Em paralelo realizaram iniciativas complementares, tais como: exposições de artes plásticas, visitas de estudo e debates com figuras da Cultura, com a presença dos escritores Ferreira de Castro, Bernardo Santareno, Matilde Rosa Araújo, Assis Esperança e os actores Fernando Gusmão, Morais e Castro e Joaquim Benite (encenador).

No ano de 1967 Almada enfrentou a repressão do regime salazarista e as Escolas foram particularmente visadas.

Programa do 10° Aniversário das escolas do Clube Desportivo da Cova da Piedade (excerto), 1973.
Imagem: Fernando Cruz


in Boletim Municipal, Camara Municipal de Almada, outubro 2007

No campo desportivo, a participação de uma equipa de ciclismo numa prova internacional, disputada em Espanha, na qual averbou o 1º lugar individual e colectivo e, ainda, a participação na XII Volta a Portugal em Bicicleta, conquistando o 10º lugar individual e o 4º lugar por equipas. (2)

Cova da Piedade, a multiddão aguardando os ciclistas da 7a Volta a Portugal em 1938.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Fundado a 28-1-1947 teve como actividades de início, o ciclismo, futebol, handebol, voleibol, campismo e ténis de mesa. No desporto-rei, o futebol, conquistou o campeonato nacional da 3a divisão, na época de 1948, ingressando, então. na divisão secundária, onde se manteve só por dois anos.

Equipa de futebol do Clube Desportivo da Cova da Piedade.
Imagem: Futebol de Outros Tempos

Finalmente, em 1960, regressou  à 2a Divisão Nacional, cotando-se, desde então, como um dos principais animadores do torneio, dispondo firmemente a guindar-se a um plano ainda mais alto.

Clube Desportivo da Cova da Piedade.
Imagem: CADERNETAS E CROMOS

Aspecto geral do campo de jogos do clube, denominado Parque Silva Nunes, com lotação para 10 000 espectadores, pelado e com iluminação eléctrica. Os seus lugares são, por vezes, insuficientes para os espectadores que, frenéticos, aplaudem o Desportivo, sonhando vê-lo embrenhado em mais altos voos.

Campo de futebol do Clube Desportivo da Cova da Piedade, Parque Silva Nunes, Quinta das Farias, década de 1960.
Imagem: CADERNETAS E CROMOS

Fotografia de alguns elementos do clube, envergando as suas camisolas de cor "grenat", e alinhando o guarda-redes, normalmente de preto e amarelo. (3)

Equipa de futebol do Clube Desportivo da Cova da Piedade.
Salientaremos, de entre o seu lote de jogadores, os nomes de: Pimenta, Castro, Assis, Simões, Sim-Sim, Rui Silva, Laranjeiro, Jurado, Torres, Vitorino, Pedro Silva, Bambo, Tito e José Alberto.
Imagem: CADERNETAS E CROMOS

Em futebol, o nosso Clube conquistou em 1947/48 e 1970/71 o título de Campeão Nacional da 3ª Divisão e foi finalista na época de 1976/77.

Equipa de futebol do Clube Desportivo da Cova da piedade, época de 1970 - 1971.
Em cima: Portela, Saturnino,  ? (Director), Salvador (Treinador), Durães, Pinhal, Carlos Cunha, Artur Jorge Quaresma, Franklin, Helder, Casimiro, Jesus e Cardoso (Massagista).
Em baixo: Adanjo, Vitorino, Victor Manuel, Necas, Victor Lopes, Adriano, Vieira, Ramusga, Vilarinho e Belo.
Imagem: Armando Ribeiro

Clube Desportivo da Cova da Piedade, aspecto dos festejos da subida à 2a divisão em 16 de maio de 1971.
Imagem: Carlos Castanheira

Conseguiu, também, 5 títulos de Campeão Distrital da 1ª Divisão [...]

Como jogadores mais salientes, entre outros, passaram pelo nosso Clube nomes como Móia, Rendeiro e Luís Boa Morte. 

Já treinaram o Cova da Piedade Mário Wilson, Jacinto Carmo Marques, Alexandre Peics, etc. (4)

Jacinto do Carmo Marques.
Imagem: Ser Benfiquista


(1) Pereira, Joana Dias, A produção social da solidariedade operária: o caso de estudo da Península de Setúbal, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 2013
(2) Clube Desportivo da Cova da Piedade
(3) CADERNETAS E CROMOS
(4) Clube Desportivo da Cova da Piedade

Informação adicional:
Futebol em Portugal
Museu do Futebol
Futebol de Outros tempos

O Clube Desportivo da Cova da Piedade e a sua fundação, Stadium n.° 289, 18 de junho de 1948

Informação relacionada:
Casas que a "Stadium" recomenda (1) 
Casas que a "Stadium" recomenda (2)

domingo, 24 de maio de 2015

A ponte

O atravessamento contínuo do rio Tejo na área urbana da capital, uma aspiração quase secular, foi traduzido em termos técnicos, e pela primeira vez, pelo Eng.º Miguel Pais que propôs em 1876, em desenho, uma ponte entre o Grilo e o Montijo.

World without us, Lisbon bridge, josh, 2007.
Imagem: Space Collective

Esta proposta contemplava uma solução mista para os tráfegos rodoviário e ferroviário, de tabuleiro duplo e com setenta e seis tramos, dos quais setenta e quatro tinham 60 metros de vão e os dois extremos, 48 metros.

Post Apocalyptic bridge on Tagus river..., Peter Baustaedter, 2013.
Imagem: viralscape

Apesar do grande apoio que colheu nos meios técnicos, na opinião pública e em departamentos oficiais, este projecto não teve seguimento, tendo surgido ao longo dos anos outras ideias para a ligação da capital à margem Sul.

Ponte sobre o Tejo, estudo do engenheiro Miguel Pais, 1872.
Imagem:  Arquivo Municipal de Lisboa

Em 1888 o Eng.º Lye, de nacionalidade norte-americana, propõe a construção de uma ponte entre Almada e a zona do Tesouro Velho (atual Chiado) com uma estação ferroviária próxima do Largo das Duas Igrejas.

Posteriormente, em 1889, os engenheiros franceses Bartissol e Seyrig propõem uma ligação mista entre a Rocha do Conde de Óbidos e Almada, através de uma ponte com 2500 metros de comprimento, que seria assente numa série de arcos com vãos diferentes.

Ponte sobre o Tejo, projecto de E. Bartissol e T. Seyrig, O Occidente n.° 380, ilustração L. Freire, 1889.
Imagem: Hemeroteca Digital

Em 1890 surge nova proposta subscrita por uma empresa metalomecânica de Nuremberga que pretendia construir uma ponte entre o Beato e o Montijo, sugerindo uma localização muito próxima à que tinha sido proposta pelo Eng.º Miguel Pais.

Lisboa monumental, ilustração, Alonso (Joaquim Guilherme Santos Silva, 1871 — 1948).
Imagem: Hemeroteca Digital

Já no século XX, em 1913, foi proposto ao Governo, por uma firma portuguesa, fazer a ligação entre a Rocha do Conde de Óbidos e Almada.

Elegante projecto da ponte Lisboa Cacilhas,
propaganda republicana, década de 1910.
Imagem: O Mundo do Livro

Porém, em 1919, a empresa H. Burnay & C.ª, considerava que a travessia do Tejo deveria ser feita através de um túnel e não de uma ponte. Este túnel teria 4500 m de extensão e ligaria a capital a Almada entre Santa Apolónia e Cacilhas.

Vista do estuário do Tejo anterior à construção da ponte, c. 1960.
Imagem: ed. desc.

Dois anos mais tarde é feita nova sugestão para outra ponte mista, pelo Eng.º Alfonso Pena Boeuf, espanhol, a implantar entre a Rocha do Conde de Óbidos e Almada, com um comprimento total de 3 347 metros.

Curiosamente, esta proposta previa apenas um tabuleiro com via férrea dupla e quatro vias para circulação rodoviária. Em 1926, estando ainda de pé esta proposta, a empresa do Arq.º José Cortez - Cortez & Bruhns, apresentou, em esboço, a sugestão duma grande ponte suspensa de três vãos a lançar entre a parte alta da Rua do Patrocínio e as proximidades de Almada.

O Eng.º António Belo, em 1929, solicitou a concessão de uma linha férrea a construir entre o Beato e o Montijo, que incluía a respetiva ponte para a travessia.

Esta proposta mereceu, por parte do Ministro Duarte Pacheco, a atenção devida, tendo-se aberto para o efeito um concurso público em 1934, que não teve resultados concretos, visto que nenhuma das propostas correspondeu ao que o caderno de encargos estipulava sobre o regime de concessão.

Quatro anos mais tarde, retomada por um dos concorrentes - United States Steel Products - esta proposta também não obteve acordo, apesar da simplificação e redução de custo apresentadas.

Em 1942 foi nomeada uma comissão para o estudo das comunicações entre a zona oriental de Lisboa e o Sul do país, como consequência de diligências promovidas pelas Câmaras Municipais do Barreiro, Alcochete, Moita e Seixal para a melhoria das comunicações entre as sedes dos respetivos concelhos e Cacilhas.

Porém, com a decisão da construção da Ponte de Vila Franca de Xira, foram suspensos os trabalhos desta comissão. O Eng.º Pena Boeuf, em 1951, sugeriu uma nova travessia entre Almada e o Alto de Santa Catarina em Lisboa, propondo uma ponte suspensa.

Finalmente, para o estudo e resolução do problema das ligações rodoviária e ferroviária entre Lisboa e a margem Sul do Tejo, foi nomeada, por Portaria dos Ministérios das Obras Públicas e das Comunicações de junho de 1953, uma nova comissão que concluiu pela viabilidade técnica e financeira da travessia através de uma ponte ou de um túnel.

"Julgo meu dever, agora, se isso me é permitido, sem que a minha atitude pretenda ferir posições ou possíveis interesses criados, que na minha qualidade de Português, e nascido em Lisboa, e ainda como técnico, apresente também o meu parecer pessoal, fruto de muitos anos de análisee de estudos vários relacionados com as soluções das obras que mais uma vez se diz que vão empreender-se no estuário do Tejo.

Ponte sobre o Tejo, projecto de Cassiano Branco, 1958.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Não é, por certo, num simples artigo de jornal que poderei desenvolver amplamente problemas tão vastos e de tão grande complexidade técnica, no entanto vou tentar ser breve e claro nas considerações que se seguem.

Perspectiva da ponte sobre o Tejo vista do lado de Lisboa, Cassiano Branco, 1958.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Direi, pois, que ao projectar-se uma ponte que ligue as duas margens do Tejo, Lisboa - Almada, o problema impõe em primeiro lugar a escolha do sítio exacto do témino da directriz do seu tabuleiro Norte.

Perspectiva da ponte sobre o Tejo vista do lado de Almada, Cassiano Branco, 1958.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Este é o principal ponto nevrálgico [...]"

Cassiano Branco in "A ponte sobre o Tejo será a maior do Mundo", Diário de Lisboa 23 de março de 1958

O Governo optou pela construção de uma ponte e pelo Decreto-Lei n.º 42 238, autorizou o Ministério das Obras Públicas a abrir concurso para a sua construção.

Ponte sobre o Tejo, ilustração de Carlos Ribeiro, Revista Eva, dezembro de 1960.
Imagem: Dias que Voam 

Em Dezembro de 1960, foi criado, na dependência do Ministro das Obras Públicas, para a condução deste empreendimento, o Gabinete da Ponte sobre o Tejo, dirigido pelo Eng.º José Estevam Abranches Couceiro do Canto Moniz, na altura director dos Serviços de Conservação da Junta Autónoma de Estradas.

A viga mais comprida do mundo, edição do Ministério das Obras Públicas.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Em Março de 1960 abriu-se concurso internacional para a execução da obra, tendo esta sido adjudicada à United States Steel Export Company em maio de 1962.

A ponte sem tabuleiro, c. 1965.
Imagem: Estação Chronográphica

Compreendia a construção da ponte sobre o rio, a realização de um complexo rodoviário que incluía 15 km de autoestrada, trinta e duas estruturas de betão armado e pré-esforçado, o Viaduto Norte sobre Alcântara (com 945,11 m de extensão e catorze vãos, cujo tabuleiro de betão pré-esforçado é apoiado em pilares gémeos de betão armado, ligados por uma travessa horizontal a 10 metros do topo, destinada a suportar o tabuleiro ferroviário), um túnel sob a Praça da Portagem (com cerca de 600 metros de comprimento e destinado a receber a plataforma ferroviária do eixo de ligação da rede a Norte com a rede a Sul do rio Tejo), a sinalização e iluminação de toda a obra. (1)

Viagens escolares a Portugal.
Imagem: Herolé Reisen


(1) Estradas de Portugal

N. do E.: algumas imagens apresentadas são meramente ilustrativas ou conceptuais e não representam a vista real do empreendimento.

Artigos relacionados:
Projecto de travessia do Tejo em 1889
Lisboa monumental em 1906


Leitura relacionada:
Restos de Colecção

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Caminhos de areia

A rocha estava já em frente — paredão barrento, alcantilado, com ladeira aberta por milhentas chuvas, escavadas por pés teimosos do mesmo trilho.

Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902
Imagem: IGeoE

Ladeada de afusados eucaliptos, a estrada de asfalto torcia para a direita, arrastando depois o caminhante a desmedido ziguezague.

A Praia do Sol - Uma vista parcial. Subida para os "Capuchos", ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 110.
Imagem: Fundação Portimagem

Por isso, elas optavam sempre pelo caminho de cabras da Boca-do-Grilo, ladeira íngreme e pedregosa como o Inferno — mas, em quatro arrancos, punham-se lá em cima. (1)

Variante à Estrada Nacional 377 (detalhe), zona da Boca do Grilo.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Com a sardinha, empilhada,
Inda saltando vivaz,
Vem de cestinha avergada;
E lá de baixo, da praia,

Sentinelas ou Guardas avançadas, Caparica, Falcão Trigoso, 1935.
Imagem: Palácio do Correio Velho

E sobe a pino o almaraz;

Costa da Caparica, Alfredo Keil (1851 - 1907).
Imagem: Palácio do Correio Velho

Mas nem por sombras cançada! (2)


(1) Correia, Romeu, Calamento, Lisboa, Editorial Minerva, 1950.
(2) Bulhão Pato, Raimundo António de, Livro do Monte, georgicas, lyricas, 1896, Typographia da Academia, Lisboa.

Artigo relacionado:
Estradas Real 79, Distrital 156 e outras vias

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Reviralho

Logo que chegou à chefia do poder, em 5 de Julho de 1932, António de Oliveira Salazar começou a elaborar a Constituição sobre a qual assentaria o seu novo regime, o Estado Novo.

António de Oliveira Salazar, Associated Press, 1966.
Imagem: The Delagoa Bay World

Após ser plebiscitado, o texto constitucional foi promulgado em Abril de 1933, no ano em que o novo regime salazarista criou a polícia política (PVDE) e o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) e lançou as bases da legislação corporativa, que assentaria, depois da proibição das associações operárias, em Sindicatos Nacionais (SN) únicos e Grémios patronais todo-poderosos.

Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.).
Costa da Caparica, aspecto do almoço dos trabalhadores dos Sindicatos Nacionais, 1937.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Na luta contra o processo da chamada "fascização" dos sindicatos e num movimento de recusa de dissolução das organizações operárias nos SN e de formação de comités de base de luta por reivindicações económicas e liberdades políticas, ergueram-se os anarco-sindicalistas, os comunistas e alguns socialistas, respectivamente organizados na Confederação Geral do Trabalho (CGT), na Comissão Inter-Sindical (CIS) e na Federação das Associações Operárias (FAO), bem como elementos do Comité das Organizações Sindicais Autónomas (COSA). (1)

O Reviralho, Orgão do Comité de Defesa da República,
1a edição, 2o semestre de 1927.
Imagem: Hemeroteca Digital

Poder-se-ia dizer, como José Pacheco Pereira, que, sendo o "18 de Janeiro [de 1934] um dos mitos fundadores da imagem revolucionária do proletariado português", é "pouco importante saber quem e porquê" — "saber se foram os anarquistas da CGT ou os comunistas do PCP", "saber se o soviete da Marinha Grande" durou muito ou pouco tempo, no caso "cinco minutos" — argumentando que o "simbólico nunca precisou de enredos muito compridos para se agarrar desesperadamente ao fragmento do real sobre o qual se ergue" e que a força simbólica do "18 de Janeiro" começa "quando, no fim dos anos 30, os anarquistas desapareceram como organização e os comunistas se tornaram hegemónicos" no movimento operário.

O Reviralho, Orgão do Comité de Defesa da República, Ano 1, n° 7.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Se o "simbólico não precisa, de facto, de enredos compridos", algum enredo há, e importa saber com que malhas ele se tece. E como se ganha e como se perde, já que também nas guerras do simbólico há vencedores e vencidos. A força simbólica do "18 de Janeiro" andará ligada ao facto de os comunistas terem conquistado a hegemonia. Mas esta última não chega para explicar os sucessivos desaires dos anarco-sindicalistas. (2)

Derrotado o levantamento popular, começaram as perseguições e as capturas aos dirigentes sindicais, na sua maioria comunistas. Na noite de 18 e nos dias seguintes, varreram toda a região, casa a casa.

Nem o Pinhal de Leiria ficou por varrer [...]

Para Joaquim Gomes, não é por acaso que o levantamento operário de Janeiro de 1934 tem na Marinha Grande uma dimensão diferente da que assumiu noutras localidades. A fascização dos sindicatos era, na terra do vidro, apenas a gota de água que fez transbordar toda uma luta, que se vinha já desenvolvendo. "O número de greves e manifestações era espantoso" lembra [...]

Este estado permanente de luta que se vivia na Marinha Grande inicia-se no começo dos anos 30, com a grave crise que afectou o sistema capitalista e muito particularmente a indústria vidreira: aumentou a exploração, os dias de trabalho foram reduzidos, algumas empresas foram temporariamente encerradas. Esta situação é acompanhada por um incrível reforço da organização do PCP na Marinha Grande, o que contrastava com outros locais, onde esta era ainda muito débil.

"Na Marinha Grande, a influência comunista era muito superior a qualquer outra, socialista ou anarquista", recorda Joaquim Gomes. Até ao 18 de Janeiro, havia células do Partido em todas as fábricas e as Juventudes Comunistas tinham também muita força, sobretudo entre os aprendizes. (3)

Os processos de actuação dos chefes bolchevistas são conhecidos: "todos os meios são bons para alcançarem os fins",... Desde a mentira à confusão, desde a intriga à calúnia.

Temos à nossa frente um Boletim assinado pelo Secretariado do Partido Comunista. É por consequência um documento oficial. Trata do movimento de 18 de Janeiro. O seu conteúdo não eleva quem o redigiu; revela apenas uma falta de honestidade moral que nunca pode triunfar no seio do proletariado.

A audácia das suas afirmações, o descaramento com que se pretende demonstrar uma grande preparação revolucionária comunista para o citado movimento, não consegue iludir a própria massa operária, fora, ou desviada, do âmbito destas lutas.

É nestes momentos que os "chefes" bolchevistas pretendem ganhar terreno. Para isso confundem, baralham, sofismam, porque sempre produzirá algum resultado...

Conhecemos, porém, esses processos. Andamos por cá há alguns anos e sabemos perfeitamente como a sua acção tem sido conduzida. Mas vamos ao documento em questão. O que diz ele, em resumo? 

Diz isto:

"O 18 de Janeiro caracterizou-se precisamente pela expressão do desejo das massas de seguirem as palavras de ordem do Partido Comunista".

Já é audácia! Como se o referido movimento fosse obra sua! Mais ainda, para que se observe até onde vai o arrojo:

"Na margem Sul do Tejo, em Almada, Cacilhas, Porto Brandão, Alfeite, Cova da Piedade a greve foi geral. No Algarve, houve greves e manifestações de massas, sobretudo em Silves, alguns pontos do Alentejo seguiram, também, as palavras de ordem do nosso Partido".

Querem melhor?

Então, toda a acção desenvolvida pela classe trabalhadora na margem Sul do Tejo não foi orientada pela C.G.T.?

Que influência exerce nesses locais, ou melhor, nas respectivas classes, o partido bolchevista?

A organização de Silves não é retintamente cegêtista?

Para quê tanta mentira? (4)

O Governo Mente, Sarmento Beires.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Almada quase parou no dia 18 de Janeiro de 1934, devido à grande aderência dos trabalhadores do concelho à greve revolucionária, organizada pela Confederação Geral do Trabalho e pela Comissão Intersindical, as duas forças sindicais mais importantes na época junto dos trabalhadores.

Um aspecto do julgamento de Sarmento de Beires na Trafaria, 1934.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

A greve revolucionária deu-se devido à tentativa fascista de liquidar as Associações de Classe e os Sindicatos Livres, para quebrar a força e a união dos operários. Almada na época era um concelho razoavelmente industrializado, possuindo uma classe operária bastante esclarecida e aguerrida na defesa dos seus direitos. Os anarco-sindicalistas (CGT) eram a força política dominante junto dos trabalhadores da Margem Sul que operavam nas fábricas de cortiça e nos estaleiros navais.

Na manhã de 18 de Janeiro as fábricas de cortiça "Henry Bucknall", "Rankins & Sons", "Armstrong & Cook", de Almada, tal como a empresa moageira "Aliança", do Caramujo, e os estaleiros navais na Mutela em Cacilhas, tiveram de encerrar devido à ausência dos seus assalariados. Solidários com o movimento, os motoristas de autocarros e de automóveis de aluguer, interromperam as suas funções das 10.30 às 14 horas.

Como se não bastasse, não trabalharem, os operários invadiram as ruas de Cacilhas, Cova da Piedade e Almada, provocando alguma agitação que seria reprimida pelas forças da ordem.

Cacilhas, a revolta de 18 de Janeiro de 1934.
Imagem: Partido Comunista Português

Fracassada a greve revolucionária, a repressão não se fez esperar. Cerca de vinte trabalhadores foram apontados como os grandes causadores da paralisação, sendo presos e conduzidos para Lisboa, sob forte escolta policial.

Revolta de 18 de Janeiro de 1934, os presos são conduzidos a Lisboa.
Imagem: largo da memória

A maioria dos presos pertenciam aos movimentos anarquistas, afectos à CGT.

Uma das consequências desse movimento, foi a suspensão do semanário "O Almadense", e a prisão do seu director, Felizardo Artur, o qual seria libertado três semanas depois, do Forte da Trafaria, depois de se provar que não estava envolvido no movimento.

Mas o título "O Almadense" continuou proibido por largos anos. A grande contribuição dos trabalhadores almadenses nesta jornada de luta operária, ficou registada através do fabrico de engenhos explosivos e sua distribuição um pouco por todo o país. A "Fábrica de Bombas" situava-se na Cova da Piedade, num barracão alugado.

Os principais responsáveis da CGT por este sector eram, Manuel Augusto da Costa e Romano Duarte.

As maiores vitimas do movimento foram Manuel Augusto da Costa, natural do concelho do Seixal e os almadenses, Pedro Matos Filipe e Joaquim Montes, condenados a 14 anos de degredo. 


Joaquim Montes, ilustração de Ligia
in Milheiro, Luís Alves, Almada e a Resistência Antifascista
Imagem: largo da memória

Começaram a cumprir as suas penas na Fortaleza de Angra do Heroísmo, mas com o aparecimento do Campo do Tarrafal, a jóia da coroa das forças repressivas, foram transferidos para a malfadada Ilha de Santiago, fazendo parte da primeira leva de prisioneiros que foram estrear o presidio. (5)


(1) 18 de Janeiro de 1934
(2) O "18 de Janeiro": uma proposta de releitura
(3) 70 anos do 18 de Janeiro de 1934, na Marinha Grande
(4) 80 anos do 18 de Janeiro de 1934, in A Batalha, abril de 1934
(5) Milheiro, Luís Alves, Almada e a Resistência Antifascista, 2000

Artigo relacionado:
2 de fevereiro de 1926


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