quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Esta obra mandou fazer hvm devoto 1715

Sobre o pontal de Cacilhas, afogada de casario pombalino, ergue-se, maciça e tristonha, esta Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso que tomou o nome da confraria de maritimos que nela elegeu sua sede religiosa.

Cacilhas (Portugal), Largo do Costa Pinto, ed. Martins/Martins & Silva, 18, década de 1900
Imagem: Delcampe

É de uma só nave e apresenta as paredes, até um terço de altura, vestidas de azulejos de pintura monocromica, a azul, que devem datar do decénio 1750-1760.

O revestimento está repartido em 14 painéis, cada um emmoldurado na sua cercadura rocaille, provido de altas cabeceiras recortadas e separado dos contíguos por colunas encimadas por Vasos com flores.

Desfia-se mais uma vez nesses painéis a vida da Virgem, enaltecida nos sucessos maravilhosos anteriorese posteriores ao nascimento do menino.

Igreja da N. Sra. do Bom Sucesso, J. M. dos Santos Simões, ficha do inventário de azulejaria.
Imagem: FCG Biblioteca de Arte

A pintura é perfeita, a cor firme, o esmalte dos azulejos admirável. A parede fundeira do coro possue também um rodapé alto de azulejos do começo do século XIX, que concordam no estilo com a pintura do teto da igreja, lançada nos moldes "império".

Para alcançar esse coro atravessa-se um corredor estreito que acompanha a parede esquerda do templo. De um lado e outro da passagem corre um rodapé de azulejos pintados a azul, no gosto de António de Oliveira Bernardes, e onde em certa altura se encontra a inscrição da figura [...]

Imagem: Internet Archive

São também referentes á Virgem os quadrinhos que se seguem a este lambris entre anjos e folhagem. (1)


(1) Vergilio Correia, Azulejos datados, Lisboa, Imprensa Libânio da Silva, 1923

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O papá

O papá, o conhecido Vitorino Custódio, estava no apogeu do negócio: trens de aluguer na praça de Cacilhas. Os melhores veículos, os mais procurados, eram os seus. O papá vestia como um janota da época: chapéu à Mazzantini, calça justinha à perna, uma corrente de oiro, de bolso a bolso do colete, da grossura do dedo mínimo, bota de calf abotoada ao lado — sempre a rigor.

Vista panorâmica dos antigos trens de aluguer puxados por cavalos. Em 2.° plano, o marégrafo para medição de marés. Finais do séc. XIX ou início do XX. No início do séc. XX (1907), os forasteiros encontravam à saída da estação fluvial, trens ou carruagens que pelo preço de 500 a 700 réis, os transportavam a Almada, ao Alfeite e Cova da Piedade. Existiam as estalagens com trens dos cocheiros-proprietários: José Ribeiro, Narciso José, António Francisco da Silva Júnior, "Pouca Tripa", Francisco Pereira dos Santos, Domingos Manta.
in Alexandre Castanheira, Romeu Correia, Memória Viva de Almada, Câmara Municipal de Almada, 1992

O papá não guiava os trens; tinha quatro cocheiros: o Filipe, o Carvalho, o Domingos e o Severino. Em Almada, possuia uma cocheira onde guardava os carros e os animais, e onde o Américo dormia, o moço que dava as rações e lavava as viaturas [...]

Uma tarde, à hora do jantar, ainda o papá não tinha chegado, recebemos a visita de um dos nossos cocheiros: o Severino. Ouvimos da sua boca, com pasmo, que se despedia de nós, pois os seus serviços haviam sido suspensos.

Perguntámos o motivo. Ele deu aos braços, resignado: Minhas senhoras, os trens passaram de moda; agora, com a história dos automóveis americanos, tudo que seja puxado a animais vai pela água abaixo. Era a primeira vez que ouvíamos falar no prejuízo que os automóveis nos causavam

Podíamos lá supor que aquelas carripanas tão engraçadas, que uma vez por outra passavam ali pela rua, fossem a causa da tristeza do papá e da desgraça de todos nós! Que grande desgosto, ao tomarmos conhecimento da venda da primeira parelha! E quando mais tarde soubemos que a outra tinha tido o mesmo destino! Então, a nossa casa, sempre tão farta, tão feliz, transformou-se! Creio que, em toda esta fatalidade, o papá foi um fraco; não reagiu, não teve o expediente de que parecia dotado.

Cacilhas, Leslie Howard, década de 1930.
Imagem: Museu da Cidade de Almada

Só agora vejo bem que outro qualquer, na sua situação, ter-se-ia adaptado ao veículo que despontava, e resignado com o fatal progresso das coisas. O papá não. (1)


(1) Alexandre Castanheira, Romeu Correia, Memória Viva de Almada, Câmara Municipal de Almada, 1992 cf. Romeu Correia

Sobre os animais que nos ajudam a viver

Embora a industrialização fosse uma realidade em vários países ocidentais, no século XIX, a mecanização dos veículos ainda não era uma prática corrente, pelo que toda a sociedade se estruturava forçosamente a partir da força animal, quer a nível dos processos agrícolas, quer no transporte de bens e pessoas.

Trens de aluguer em Cacilhas, c. 1907.
Imagem: Alexandre Castanheira, Romeu Correia, Memória Viva de Almada, Câmara Municipal de Almada, 1992

A estes animais de tração era exigido um trabalho e um esforço muito superior às suas capacidades físicas, sendo muitas vezes mantidos em condições impróprias e tratados pelos seus proprietários com violência.

O excesso de carga, a permanência durante longos períodos de tempo a temperatu ras excessivas, a carência alimentar e hídrica por largas horas correspondiam a situações correntes no quotidiano urbano e rural [...]

As constantes inquietações com o bem-estar animal refletem-se na implementação de um conjunto de disposições destinadas a minorizar o sofrimento inerente ao trabalho quotidiano. 

Neste sentido, a Sociedade Protetora dos Animais cedeu diversos fontanários a algumas câmaras municipais, em especial na área de Lisboa e Porto, para que os animais de tração podessem saciar a sede.

Sede compassivos para com os pobres animais que vos ajudam a viver, lê-se, à esquerda da imagem, na placa aposta ao bebedouro para os animais, Cacilhas, Leslie Howard, década de 1930.
Imagem: Museu da Cidade de Almada

Curiosamente, após colocação destas infra-estruturas, a população com frequência furtava as torneiras e os baldes colocados nos diversos locais [...] (1)

A Sociedade Protectora dos Animais considerava maus tratos infligidos a animais não humanos os seguintes (artigo 1º, ponto 1º, Sociedade Protectora dos Animaes do Porto, 1911):
a privação de limpeza, alimentos, ar, luz e movimento em relação às leis naturais e sociais da saúde pecuária;
o trabalho excessivo sem descanso ou transporte de cargas excessivas; o obrigar a levantar os animais que caíam com chicotadas;
a exposição ao calor ou ao frio excessivo;
a aplicação de instrumentos que causassem feridas;
a utilização no trabalho de animais feridos ou famintos; 

o transporte de animais para alimentação em condições geradoras de sofrimento; 
a manutenção de animais fechados sem que possam respirar ou movimentar-se, sem comida ou água;
o depenar e esfolar animais vivos ou o seu abate através de métodos que provoquem sofrimento;
a engorda mecânica de aves;
o atiçar de animais uns contra os outros ou contra pessoas;
a exibição de animais magros em sítios públicos;
o abandono na via pública de animais domésticos feridos ou cansados;
a destruição de ninhos;
o cegar de aves canoras;
o atar aos animais objetos que os enfureçam ou causem sofrimento;
o queimar com água ou materiais inflamáveis;
o lançamento em casas de espetáculos de pombas ou outras aves;
a prática de diversões que causem ferimentos ou morte e ainda, a implementação de qualquer ação violenta que conduza a sofrimento por diversão ou maldade 


in Alexandra Amaro e Margarida Felgueiras, op. cit.


(1) Alexandra Amaro e Margarida Felgueiras, Perspetiva Histórica Sobre a Educação e o Movimento de Defesa dos Animais, Escola Superior de Educação de Coimbra, 2013

Informação adicional:

2014-08-29 | Lei (Publicação DR)

Lei 69/2014

Título: Procede à trigésima terceira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, criminalizando os maus tratos a animais de companhia, e à segunda alteração à Lei n.º 92/95, de 12 de setembro, sobre proteção aos animais, alargando os direitos das associações zoófilas [DR I série N.º166/XII/3 2014.08.29 (pág. 4566-4567)]

in Assembleia da República

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Rua da Judiaria, impressões de Silva Porto

A rua da Judiaria em Almada foi sempre, como ainda é, uma rua feia e immunda, com a diferença de que hoje varrem-na mais amiudo do que antigamente, e é illuminada de noite a azeite de peixe; mas apesar d'isso era ali, n'uma casinha de primeiro andar, que se reunia a rapaziada fina de Almada e dos logares próximos.

Rua da Judiaria (Almada), Silva Porto, 1879-1893.
Imagem:Nuno Prates, Casa dos Patudos

O dono da casa, Pedro Marques de Faria, era um velho folgasão, em cujo animo nunca entrou a tristeza, ainda mesmo nos momentos mais graves da vida. Dizidor e peteiro, sempre tinha alguma nova anecdota que contar, alguns versinhos que recitar, algum caso notavel de que ouvira fallar em Lisboa, ou as novidades politicas falsas e verdadeiras de que a epoca era abundante [ler mais...] (1)

Almada, rua da Judiaria, Barata Moura, 1961.
Imagem: Câmara Municipal de Almada

Era magro [o mestre Damião], afilado, guedelhas brancas e olhar vivo. Arrastava uma perna, dava saliência as ancas, curvava o tronco adiante da linha dos pés. Desprovido de abalos e de conforto. aparecia, em muitas noites de chuva, encharcado, triste de figura, a ponto de provocar compaixão aos rapazes. Residia na Rua da Judiaria, num vago casebre, onde reunia, numa balbúrdia de pocilga, os seus parcos tarecos caseiros com a tralha do ofício. (2)
No "Catalogo dos trabalhos de Silva Porto: expostos na Escola de Bellas-Artes de Lisboa, em junho de 1894", aparece a pequena pintura Rua da Judiaria (em Almada) (19x13 cm) como pertença do sr. Bernardo Pinheiro (Pindella), conde de Arnoso, secretário pessoal do Rei D. Carlos.

Trata-se, de uma anotação de formas, cores e luminosidade que Silva Porto eventualmente usaria numa composição maior e mais elaborada. A silhueta humana que o pintor esboça ao centro é voluvel e inacabada. Poderia ser o vendedor de peixe transportando no ombro as canastras enfiadas numa vara, ou, o aguadeiro e o burro transportando os barris com água, sugerido pelos meios-tons da sombra atrás. Os edifícios representados no primeiro plano à esquerda e no segundo à direita ainda existem.

Hoje, esta representação rápida , uma pochade, inclui-se na significativa colecção de obras de Silva Porto, adquiridas por José Relvas. Encontra-se exposta na Casa dos Patudos, Museu de Alpiarça, cujo curador, Nuno Prates, teve a cortesia de nos ceder a imagem em vista deste apontamento.

A Rua da Judiaria, uma das artérias reconstruídas após o terramoto de 1755, localiza-se no núcleo da antiga vila de Almada.

Lisbon from Almada, Drawn by Lt. Col. Batty, Engraved by William Miller, 1830.
Assinalam-se a branco, na Rua da Judiaria, as fachadas de alguns edifícios viradas a poente.

Os materiais existentes e excedentes da recuperação de Lisboa serviram a técnica da "gaiola pombalina" na construção das novas habitações: os materiais derrocados foram usados para enchimento das alvenarias e as paredes foram reconstruídas utilizando a pedra e a cal.

Rua da Judiaria (Almada), Silva Porto, 1879-1893.
Imagem:Nuno Prates, Casa dos Patudos

No século XIX, a Rua da Judiaria era lugar de passagem para a Calçada da Barroca [e Largo Boca de Vento] onde estavam localizadas a sede da Administração do Concelho (até cerca de 1890) e a Repartição de Finanças de Almada. (1)


(1) António Avelino Amaro da Silva, O Caramujo, romance histórico original, Lisboa, Typographia Universal, 1863, 167 págs.
(2) Romeu Correia, Os Tanoeiros, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1976
(3) A centralidade da Rua da Judiaria na transição para o século XX

Informação relacionada:
Catalogo dos trabalhos de Silva Porto: expostos na Escola de Bellas-Artes de Lisboa...,, Lisboa, Typ. Franco-Portugueza, 1894

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

A Arte da Guerra e o Castelo de Almada

No alto de um pittoresco monte sobranceiro ao Tejo, fica o castello, que foi construído no reinado de D. Manuel ampliado em 1666 por mandado de D. Affonso VI [...]

Fort d'Almade, 1685, Les Travaux de Mars ou L'Art de la Guerre, Alain Manesson Mallet, 1696.
Imagem: Columbia University

As principais obras aqui realizadas estavam associadas a períodos de instabilidade política, como por exemplo a Guerra da Restauração (1640-1668), quando o Castelo de Almada foi reparado entre 1658 e 1666; (1)

Painel de azulejos na rua da Quinta da Horta, no Pragal, em Almada.
Imagem: Rui Coutinho

Alain Manesson estuda matemática e geometria com o engenheiro militar Philippe Mallet, que ensina desde 1654 no colégio de Bourgogne. Manesson Mallet seguidamente torna-se mosqueteiro no regimento da guarda de Louis XIV. 

Em 1663, por instância de Pierre de Massiac, parte para Portugal, então empenhado na ultima fase da Guerra da Restauração (1640-1668) para entrar ao serviço de Afonso VI.

Método para fortificar as Cidades com uma nova Muralha, em aí encerrando a Antiga

Vista do castelo de Almada e de Lisboa, 1663 (detalhe).
Imagem: Alain Manesson Mallet, Les Travaux de Mars, ou l'art de la guerre

Da Ortografia; Perfil ou Representação da Altura dos Terraços; e das Larguras e Profundidades dos Fossos

Fort d'Almade, 1685, Op. Cit.
Sob as ordens do marechal Schomberg, serve como engenheiro de campo e armas do rei e depois como sargento-mor de artilharia na província do Alentejo. Fortifica nomeadamente os castelos de Arronches (1666) et de Ferreira (1667) e estabelece reparações nos sistemas defensivos de Évora e Estremoz.

Após a assinatura do tratado de Lisboa (1668), Manesson Mallet regressa a França [...] (2)

Ruínas do castelo de Almada, Carta Geographica da Provincia da Estremadura (detalhe), c.1777 - 1780?
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

[...] no fim do século XVIII, num período conturbado da política europeia, o Castelo de Almada (fig. 6), que fora severamente danificado com o terramoto de 1755, foi totalmente reedificado com o apoio da população almadense em 1797, segundo projecto de Francisco d’Alincourt, também responsável por um projecto de uma nova fortificação da Torre Velha da Caparíca e respectiva bateria baixa de 1794 e 1796, e só em parte construído, o qual fora ordenado pela rainha D. Maria I ao Marechal General Duque de Lafões, sendo inspector Guilherme Luís António de Valleret, no ano de 1794. (3)

Planta do castelo de Almada em 1772.
Imagem: Rui Manuel Mesquita Mendes.

O rio Tejo, abaixo e oposto a Lisboa, é ladeado por rochas íngremes e grotescas, particularmente no lado sul. Essas no arco sul, são geralmente mais altas e muito mais magníficas e pitorescas que os penhascos de Dover. Sobre uma das mais altas dessas rochas, e diretamente opostas a Lisboa, permanecem as ruínas planas do Castelo de Almada.

Vista de Lisboa tomada de Almada, século XVIII.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

Em dezembro, 1779, como o Autor deambulava entre estas ruínas, foi atingido pela ideia, e formou o plano do seguinte poema; uma ideia que, pode permitir-se, foi natural para o Tradutor dos Lusíadas, e o plano pode, até certo grau, ser chamado como um suplemento a esse trabalho [...] (4)

Vista geral de Lisboa, tomada perto de Almada, século XVIII.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa
Será contudo no período da Guerra Peninsular, que se verificará o conjunto mais vasto de obras de fortificação quer da Linha de Defesa da Margem Sul, quer do Castelo de Almada (1814, fig. 6), as quais foram decididas pelo Gen. Wellesley (futuro Duque de Wellington) e conduzidas por militares britânicos, nomeadamente o Eng.° Goldfich e o Tenente Coronel Richard Fletcher dos "Reaes Engenheiros Bretanicos", assim como pelo Major Neves Costa.

Castelo de Almada após as reparações de 1810, gravura (detalhe), Pierre Eugène Aubert (Aubert pére),
cf. Lisbon from Fort Almeida [sic], Drawn by C. Stanfield from a Sketch by W. Page, Engraved by E. Finden,
Fieldmarshal The Duke of Wellington.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Durante a Guerra Civil realiza-se em 1833 uma nova campanha de obras no Castelo de Almada por iniciativa de D. Miguel, e presumivelmente conduzidas pelo Eng.° Louis Mounier, nas quais o castelo foi ampliado. (5)

Lisbon from Almada, Drawn by Lt. Col. Batty, Engraved by William Miller, 1830.
Imagem: Wikimedia


(1) Rui M. Mesquita Mendes, Obras Pública nos Concelhos de Almada e Seixal..., Centro de Arqueologia de Almada, 2015
(2) Wikipédia
(3) Rui M. Mesquita Mendes, idem
(4) William Julius Mickle, Almada hill: an epistle from Lisbon, Oxford, W. Jackson, 1781
(5) Rui M. Mesquita Mendes, idem, ibidem

Discussão aberta sobre o artigo:
A Arte da Guerra e o Castelo de Almada no Facebook

Gallica, Biblioteque nationale de France:
Alain Manesson Mallet, Les Travaux de Mars ou L'Art de la Guerre
Alain Manesson Mallet, Les Travaux de Mars ou L'Art de la Guerre
Alain Manesson Mallet, Les Travaux de Mars ou L'Art de la Guerre

Artigos relacionados:
Defesa de Lisboa em 1810
Defesa de Lisboa em 1834

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Alfeite em 1881, a pintura naturalista ao ar livre de António Ramalho

Em 1880, ainda aluno das Belas-Artes, nas suas peregrinações artísticas em companhia do mestre Silva Porto descobrem um determinado recanto da praia do Alfeite, na margem fronteira a Lisboa. Trata-se de uma pequena enseada bordejada por falésias, com o casario de Almada recortado ao fundo na linha do horizonte.

Tejo junto à Praia do Alfeite, António Ramalho, 1880.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, António Ramalho, Pintores Portugueses, Lisboa, Edições Inapa, 2004

Ambos irão pintar o local, colocando o cavalete em pontos próximos. Ramalho retomará, ao longo dos meses seguintes, o mesmo ponto de vista em diversas versões, utilizando quer o óleo quer a aguarela, de que desde cedo se tornou exímio executante [...]

Praia do Alfeite, aguarela, António Ramalho, 1881.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, Op. Cit.

Com o recuo do ponto de vista, o volume dos rochedos e da massa do casario perde peso no interior da composição, que, entretanto, ganha uma nova espacialidade interior, através do prolongamento da extensão do areal [...]

Praia do Alfeite, António Ramalho, 1881.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, Op. Cit.

Guiado pelo exemplo tutelar de Silva Porto, através do seu convívio e ensinamentos, António Ramalho enfrenta o tema da paisagem, procurando-se a si próprio. A lição do paisagismo francês e dos pintores de Barbizon só a conhece por intermédio das notícias e dos trabalhos do próprio Silva Porto [...]

Paisagem na Real Quinta do Alfeite, António Ramalho, 1881.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, Op. Cit.

Quase despercebida entre os troncos e as sombras, deparamo-nos com a figura do pequeno cavador que trabalha para manter aberto e limpo o canal de rega, veio de vida neste espaço cultivado [...]

Pomar do Antelmo, Alfeite, António Ramalho, 1881.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, Op. Cit.

O tema da paisagem com laboriosas lavadeiras [...] parecia agradar ao público e à crítica. As comuns tarefas quotidianas, desempenhadas por homens e mulheres do povo, passavam a constituir motivo de interesse para os pintores.

Lavadeiras na Romeira, Alfeite, António Ramalho, 1881.
Imagem: Alexandra Reis Gomes Markl, Op. Cit.

A Ramalho não interessava, porém, registar o aspecto documental dessas cenas mas antes reforçar a sua valorização poética. (1)


(1) Alexandra Reis Gomes Markl, António Ramalho, Pintores Portugueses, Lisboa, Edições Inapa, 2004 

Artigos relacionados:
António Ramalho na praia do Alfeite em 1881
Praia do Alfeite e Lavadeiras na Romeira